O isolamento português
aosFranco Nogueira explica o isolamento português, do livro Diálogos Interditos — A política externa portuguesa e a guerra de África, I Volume.
OPUS CITATUM
Diálogos Interditos — A política externa portuguesa e a guerra de África, I VolumeFranco NogueiraEditorial Intervenção, 1979págs. XXVII – XXXEste perfil histórico da Nação — que conjuntura internacional enfrentava entre 1960 e 1970? Antes de mais, um mundo em guerra fria: é embate entre a tenacidade, o expansionismo e o proselitismo russos, e a pujança e o intervencionismo americanos. Na luta, ambos querem fortalecer as suas posições e meios, e para o efeito transforma-se em objectivo prioritário a conquista ideológica e o domínio político e económico daquela zona cinzenta que está para além do Pacto do Atlântico e do Pacto de Varsóvia. Essa zona cinzenta reclama-se de não-alinhamento: este consiste em jogar um contra o outro os dois pólos de força e de decisão, e em obter de cada um o máximo de concessões e benefícios. É a emergência do terceiro mundo. Este proclama o nacionalismo, mesmo onde não existem nações; e reivindica a independência, mesmo se esta não tem ainda bases políticas ou económicas, e não é solicitada pelos interessados directos; e condena, no plano moral e no plano ideológico, tudo quanto lhe seja contrário. É a descolonização. Esta encontra a sua plataforma mais espetacular nas Nações Unidas. A organização é havida como expoente da consciência universal, esperança última de sobrevivência da humanidade; na altura, muitos a tinham por definitiva e final, e seria de bom aviso tomá-la nessa base. Suscitou-se o mito de que a obediência ao organismo de Nova York constituía o imperativo moral e ideológico dos novos tempos. E em largos sectores da opinião pública ocidental arreigou-se essa convicção: não valia a pena lutar contra as Nações Unidas, sagradas e eternas. Cansada e empobrecida materialmente, roída ideologicamente no seu próprio interior, dividida contra si mesma, a opinião pública ocidental, frustrada e desiludida, acreditou que tudo era fatal, inevitável, e apenas havia que ceder: foi a autodeterminação em nome dos ventos da História. Este o quadro geral.
No plano das potências era também sombrio o quadro. Em 1961, as eleições americanas levaram ao poder uma administração democrática, disposta à aventura. Apossaram-se de Washington os intelectuais e teóricos de Harvard. Solidariedades de alianças, compromissos morais, princípios legais, tudo foi varrido: de um isolamento temperado por um imperialismo discreto saltou-se para um intervencionismo global: e lançou-se a ideia do messianismo americano, apostado na promoção de sociedades pletóricas por toda a parte e de uma ordem mundial que assegurasse a contenção do comunismo. Washington joga a fundo a carta do terceiro mundo. Como a joga igualmente a União Soviética: esta irrompe por toda a parte com o seu messianismo libertador de povos oprimidos: manipula friamente as Nações Unidas, que no íntimo lhe merecem desprezo completo; e na condenação permanente do colonialismo ocidental procura recolher o apoio do terceiro mundo. No Brasil, a eleição de Jânio Quadros desencadeia um anticolonialismo emotivo: a política independente era a busca de uma libertação da excessiva influência americana; e para tanto o Brasil procura por igual agradar ao terceiro mundo. E nessa orientação arrastava toda a América Latina.
De repente, no mundo que era o de Portugal — o mundo ocidental, o mundo livre — todos os que importam adoptam uma política inversa e contrária aos direitos e aos interesses portugueses. Portugal passou a ser um estorvo para os seus próprios aliados; por não os seguir, mas mantendo-se como aliado, prejudicava a imagem daqueles junto do terceiro mundo: e a ordem política e constitucional portuguesa era havida por desafio e violação das normas em que os novos impérios procuravam assentar o seu poderio e que pretendiam impor a todos. Além do bloco soviético, estavam contra Portugal, por razões diferentes mas paralelas, o bloco ocidental, o bloco latino-americano, os Estados Unidos.
Nisto consistiu o isolamento português.