Depoimentos - Óscar Cardoso
aosTerceiro depoimento recolhido por Manuel Marques José; desta vez a Óscar Cardoso. Inclui ainda alguns apontamentos suplementares do mesmo sobre o dia 25 de Abril de 1974.
Estrutura, por alto, do depoimento proposta por Manuel Marques José:
1. Biografia
2. Quando entrou para a PIDE
3. Funções desempenhadas
4. Factos que recorda, relevantes, passados consigo ou com outros
5. Opinião sobre o regime anterior
6. Opinião sobre o regime actual
7. O que foi o 25 de Abril de 1974 (causas, intervenientes, …)
8. O que pensa do futuro de Portugal
OPUS CITATUM
Depoimento a Manuel Marques JoséÓscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso1999Depoimento de Óscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso
Nasci em 10 de Junho de 1935, em Lisboa.
Pertenci à Mocidade Portuguesa, ingressei nesta organização de juventude quando era aluno do Colégio Moderno. Ingressei na Legião Portuguesa quando frequentava o Instituto de Estudos Ultramarinos. Tive que interromper os estudos para prestar serviço militar na Índia Portuguesa, em 1959/60.
Pertenci depois à G.N.R., até 1965, altura em que ingressei na P.I.D.E.
Em 1966, fui para Angola. Em Serpa Pinto, criei os Flechas inspirado nas obras de Jean Larteguy; Spencer Chapman, “The jungle is neutral”; Lawrence da Arábia, “The seven pilars of wisdom”; Mao Tsé-Tung, “A guerra revolucionária”; Sun Tsu, “A arte da guerra”.
Em 1968, foi-me atribuído o Prémio Governador-Geral de Angola.
Estive em Moçambique em 1971 e 1972. Em 1973, em Carmona.
Quando regressei a Lisboa, em fins de 1973, com o posto de inspector-adjunto, fui colocado na Direcção dos Serviços de Informação, coordenando a informação em Angola e Moçambique.
Aquando do 25 de Abril, fui preso e permaneci detido em Caxias, Peniche e Alcoentre durante dois anos.
Após ter sido libertado, fui para a Rodésia onde trabalhei na formação dos Selous Scouts, uma versão rodesiana dos Flechas e no C.I.O. (Central Intelligence Organisation).
Em 1977, fui para a África do Sul, onde servi nas forças armadas, força aérea, saindo com o posto de coronel.
Também trabalhei nos Serviços de Inteligência Militar do Exército sul-africano.
Desempenhei funções como chefe de segurança V.I.P.
Em 1991, regressei a Portugal.
Em 1992, foi-me atribuída uma pensão vitalícia por serviços relevantes prestados à Pátria. Essa pensão foi-me suspensa recentemente.
1.
Em Angola, comecei por chefiar os Serviços Reservados, em Luanda. Era um trabalho no âmbito da segurança interna. Eram coisas do género: se um indivíduo pretendia tirar uma licença de uso e porte de arma, procurava saber-se se tinha antecedentes criminais.
Depois, passei para a secção de contra-espionagem, um serviço que designávamos por GAB. Aí tinha contacto com informadores estrangeiros e com informação realmente secreta. Permaneci no GAB alguns meses.
De seguida, andei por diferentes subdelegações de Angola, sobretudo onde havia problemas. Acabei por ficar com um conhecimento global da Província, desde Cabinda às «terras do fim do mundo», o Cuando-Cubango. Viria a ficar sete anos seguidos no Cuando-Cubango, um sítio admirável, de onde tenho recordações maravilhosas. Chefiei a subdelegação de Serpa Pinto.
2.
Um dia, em Luanda, conheci o administrador Manuel Pontes. Estava quase na reforma. Falámos prolongadamente. Falámos sobretudo de uma região que ele conhecia muito bem: as «terras do fim do mundo», cognome dado ao Sudeste de Angola por Henrique Galvão, no livro «Outras Terras Outras Gentes».
Disse-me uma enorme quantidade de coisas sobre uma minoria étnica, a que nós chamávamos os bosquímanos, que habitava no Cuando-Cubando. Como eu havia frequentado o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, tinha tido algum conhecimento dessa etnia.
Decidi que iria para esses lugares inóspitos e fascinantes.
O director da P.I.D.E. em Angola, Aníbal São José Lopes, concordou e disse-me: «Sim, senhor. Você pega no administrador, damos-lhe uma compensação monetária, e você vai para as terras do fim do mundo fazer uma prospecção sobre o que esses bushmen poderão dar, qual será o rendimento que eles poderão ter em operações de guerrilha.»
3.
E lá fui, com a minha mulher e o administrador Manuel Pontes. Atribuíram-me um velho Land-Rover.
Os bushmen eram indivíduos com uma forma de vida ainda primitiva, faziam ainda o fogo por fricção. Eram muito magros e pequenos, excelentes caçadores.
Na região do Cuando-Cubango, este povo era trocado e vendido como se de gado se tratasse. Muitos eram nómadas e outros escravos dos sobas bantos.
Os bushmen tinham um grande respeito pelo administrador Manuel Pontes e tratavam no por Tata K’Hum, que significa «o pai dos K’Hum», que eram eles. K’Hum é o nome com que os bosquímanos se designam a si próprios. Quando o viam, aproximavam-se. Com a ajuda de intérpretes conseguíamos falar com eles. Eram indivíduos esqueléticos e subalimentados.
Pontes dizia-me: «Se os treinarem, se os alimentarem bem, estes indivíduos podem ser de grande utilidade.» Pela minha parte, e por aquilo que lera, estava plenamente de acordo. Começámos a dar-lhes treino de tiro, em 1967. Mais tarde, tiveram instrução de Karaté, dada por um mulato nosso amigo que era “cinto preto”. Primeiro, eram apenas oito. Depois eram muitos — a minha infantaria ligeira, ligeiríssima.
No Cuando-Cubango, um território duas vezes e meia maior que Portugal, a P.I.D.E. tinha diversos postos chefiados por agentes de 1.ª classe, agentes de 2.ª classe, chefes de brigada.
Também nos apoiavam nas coutadas de caça. Usávamos os bushmen como pisteiros, no que eram excelentes. Decifravam todos os sinais com uma eficácia extraordinária. Nós aproveitámos essa capacidade singular deles.
Começámos a utilizá-los para obter informação. Conseguiam permanecer no terreno por períodos de tempo incríveis e levando muito poucos meios de sobrevivência com eles. Habituados desde crianças a esgravatar, a viver do nada, tinham uma capacidade nata para se alimentarem, para descobrirem água. Ora, num espaço inóspito como aquele, muito pouco habitado, o menos de Angola, estas capacidades eram de uma utilidade extrema.
No princípio, iam apenas armados de arco e flecha, flechas envenenadas, em que eles eram exímios. Também a sua compleição física não era muito adequada a outro tipo de armas mais modernas. O objectivo era apenas recolher informação mas se a coisa desse para o torto… Quasi nunca traziam ninguém vivo, apenas documentos e armas, por vezes.
Os resultados começaram a ser bastante interessantes. Passámos a poder disponibilizar aos militares uma quantidade e qualidade de informações que lhes permitia operar com maior facilidade e eficácia. Aliás, devo dizer que, na última Guerra de África, a P.I.D.E. funcionou como anjo da guarda das Forças Armadas.
A população era uma espécie de bola de pingue-pongue no meio da guerra. A população que dava apoio aos terroristas era forçada. E maior parte do apoio logístico dos terroristas vinha da Zâmbia. Os acampamentos terroristas ou ficavam no início do rio ou na confluência de dois rios. E isto era assim porque eles não podiam passar sem água, e também por uma questão de facilidade de referenciação entre eles.
Os bushmen iam lá e, por vezes, eram recebidos a tiro. Então, e com apoio das Forças Armadas, começámos a treinar esses bushmen no Cuando-Cubango, no campo de trabalho do Missombo, que tinha sido um campo de recuperação de terroristas, e que nada tinha a ver com a P.I.D.E. O treino consistia fundamentalmente no uso de armas modernas. Conhecimento e táctica do terreno não era preciso — já eram exímios nisso.
Assim se deu início e essa força paramilitar conhecida por Flechas.
Começámos a ter problemas de excesso de voluntários porque muitos queriam pertencer. Como eram escravizados pelos sobas, o tornarem-se soldados fascinava-os. E muitas vezes faziam coisas que não deviam: iam às sanzalas e roubavam galinhas. Evidentemente que quando sabíamos, os castigávamos.
Acabámos por fazer o acampamento do Missombo que tinha na entrada uma frase de Mouzinho de Albuquerque: «Essas poucas páginas brilhantes e consoladoras que há na História de Portugal contemporâneo, escrevemo-las nós, os soldados, lá pelos serões de África com as pontas das baionetas e das lanças…» Também tínhamos uma frase de um escritor militar chinês, onde se inspirou Mao Tsé-Tung, o Sun Tsu: «(..) Sejam mais rápidos do que o vento e tão misteriosos quanto a mata. Sejam destruidores como o fogo e silenciosos como as montanhas. Sejam impenetráveis como a noite e furiosos como o trovão (…)»
Os Flechas iniciaram-se com bushmen, mas depois começámos a tê-los já de outras etnias. Passou, depois, a pouco e pouco, a haver Flechas em toda a Angola. Quase todas as subdelegações da P.I.D.E. em zonas onde havia terrorismo passaram a formar os seus próprios Flechas. Os resultados foram sempre bons.
Fiz diversas operações com os Flechas. Algumas eram feitas com europeus, mas havia outras em que só iam Flechas, bushmen, porque eram operações de longa duração em que se faziam reconhecimentos, nomadizações que os europeus e os pretos não aguentavam.
Quero também dizer desde já que as nossas Forças Armadas venceram a guerra de guerrilha em Angola. Em 1974 a guerra em Angola estava ganha.
O M.P.L.A. sabia-se sem qualquer hipótese de vencer, a UNITA era «nossa».
Também a guerra estava a caminho de se vencer na Guiné. Tenho provas disso.
4.
Quero destacar uma operação que foi feita com um indivíduo que mais tarde foi muito conhecido no Cuando-Cubango, o soba Matias — viria a morrer esfolado vivo após a independência por se recusar a arrear a bandeira portuguesa.
Apareceu-me na subdelegação de Serpa Pinto e que me disse: «Olhe, inspector, eu sei onde há, ali a norte do rio Cuvelai, uns acampamentos da UNITA. Os meninos estão fazer muita chatice, muita confusão. O senhor inspector dá-me uma espingarda que eu vai lá com o meu família…» E lá foi com a malta dele. Trouxe uma data de terroristas. Prendêmo-los e interrogámo-los. Muitos eram terroristas porque não poderiam ter sido outra coisa.
Não tinha problemas em pôr guerrilheiros capturados a colaborar connosco. Levavam uns tabefes, um «calorzinho». A P.I.D.E. não era propriamente uma organização de beneficência.
Como o resultado foi bom, propus ao Matias para ir ver se encontrava mais. Ele disse sim. Dei-lhe oito espingardas. O resultado foi tal que aquele homem limpou o terrorismo, a infiltração da UNITA. A norte do Cuando-Cubango, deixou de haver terrorismo da UNITA.
O Matias chefiou uma aldeia com mais de cinco mil pessoas. Todos os dias içava, com honras militares, a bandeira nacional e também o seu pendão, a Cruz de Avis.
5.
Estive em Moçambique em 1971 e 1972. O director Silva Pais convocou-me e fui levado à presença do Ministro do Ultramar, Silva Cunha. Disseram-me para organizar os Flechas em Moçambique.
Talvez tivesse havido precipitação da nossa parte porque em Moçambique já existiam os Grupos Especiais (GE) e os Grupos Especiais Pára-Quedistas (GEP), que eram muito bons.
Verifiquei, nessa Província, não ser premente a necessidade de organizar Flechas.
A minha actividade em Moçambique resumiu-se a detectar a penetração de terroristas da Frelimo feita a partir do Malawi, sobre a linha Beira-Tete, onde iam destruir a linha de caminho-de-ferro. Organizei a informação em Caldas Xavier, com incidência no Malawi, e um sistema de informação no Malawi. Sabíamos quase sempre quando eles punham as bombas no caminho-de-ferro.
Em Lourenço Marques e em Luanda, a P.I.D.E. tinha uma colaboração estreita com o Bureau of State Security (B.O.S.S.), sul-africano, hoje o National Intelligence Service (N.I.S.). Também tínhamos uma boa colaboração com a South African Police (S.A.P.). Interessava, porque a polícia sul-africana estava dispersa em vários postos ao longo da fronteira para evitar a penetração da S.W.A.P.O., movimento que lutava pela independência da actual Namíbia.
Havia também colaboração com serviços equivalentes da Rodésia.
As Forças Armadas sul-africanas forneciam-nos, por vezes, helicópteros e meios aéreos. E estavam interessadas na UNITA, dado que a UNITA e a S.W.A.P.O. trabalhavam em conjunto. Nós funcionávamos como uma espécie de tampão à S.W.A.P.O., que tinha de atravessar o Cuando-Cubango vinda das suas bases na Zâmbia. Por diversas vezes tivemos contactos com os terroristas namibianos. Numa dessas vezes fui ferido com um estilhaço na mão. Foi uma operação que fizemos em colaboração com os sul-africanos.
6.
No Cuando-Cubango, havia postos da P.I.D.E. em Serpa Pinto (sede), em Caiundo, Cuangar, Calai, Dirico, Mucusso, Rivungo, Cuito Cuanavale e Mavinga. Tínhamos a colaboração dos caçadores das três coutadas: Kirongozi, Luengue e Mucusso. Obviamente que estávamos em colaboração total com a tropa que tinha em Serpa Pinto um batalhão, uma companhia comandada pelo Vítor Alves, na N’riquinha, perto da fronteira com a Zâmbia, um pelotão reforçado na Luiana e meia dúzia de elementos em Mavinga.
Os comerciantes, os elementos da P.S.P., também faziam operações conjuntas com os Flechas. E, quando havia operações militares, os Flechas iam, ou um agente da P.I.D.E. com um flecha, que às vezes servia de intérprete.
7.
Estive ainda a chefiar a subdelegação de Carmona, após o que vim para Lisboa integrar a Secção Central dirigida por Álvaro Pereira de Carvalho.
8.
O 25 de Abril foi um golpe com a conivência de Marcelo Caetano.
9.
Penso que Portugal vai desaparecer.
Sobre o dia 25 de Abril de 1974
[Manuel Marques José]: (Esta parte são notas avulsas e desconexas. Algumas são memórias de conversas que fomos tendo, outras de entrevistas suas, nos jornais e televisões. Acha que isto está bem? O que cortaria? O que acrescentaria?)
Após o 25 de Abril, houve a necessidade de criar um bode expiatório para o regime anterior. Esse bode expiatório foi a P.I.D.E. Tinha que ser a P.I.D.E. A G.N.R., por exemplo, não o podia ser. Era numerosa. O Exército também não, até porque foram alguns dos seus membros quem fizeram a revolução.
Depois, nós tínhamos realizado com eficácia ofensivas contra aqueles que depois tomaram o poder.
Fala-se muito em interrogatórios e torturas. Recordo algo que presenciei: muitas vezes, quando os comunistas eram chamados a prestar declarações, não tínhamos dificuldade nenhuma em que eles “abrissem o livro”. Contavam a sua história ao pormenor e acabavam a comer os almoços que mandávamos vir da pastelaria Bénard, com lagosta e por vezes até uísque à vontade deles. Mas quando saíam diziam que tinham sido torturados e espancados, até para justificar o facto de terem falado.
No dia 25 se Abril, se quisesse poderia ter fugido, bem assim como todos os outros elementos da Organização. E não o fizemos. Porquê? Tínhamos pelo General Spínola uma grande consideração. Fora um bravo comandante na Guiné e tínhamos a certeza de que aquilo que ele nos disse seria feito.
O General Spínola garantira, nesse dia, ao meu director, Silva Pais, pelo telefone, para não nos preocuparmos pois ia haver apenas umas alterações nas cúpulas, ninguém nos ia maçar.
No dia 26 de Abril, a D.G.S. foi ocupada. Disseram que nos iam retirar dali porque a população estava muito exaltada e tal e tal. Quando cheguei a Caxias, mandaram-me tirar os cordões dos sapatos. Nessa altura, apercebi-me de que a coisa não era bem como havia sido prometido. É que era para ficarmos duas noites no Forte de Caxias de onde sairíamos em liberdade…
Devo ainda dizer que tinha um isqueiro de ouro maciço, no meu gabinete. Fora-me oferecido pela população de Carmona. Andou por ali um aspirante qualquer. Ao aspirante e ao isqueiro nunca mais os vi. Deve haver uma ligação entre os dois objectos, como é natural.
Resisti ao golpe. Quando soube que uns velhos «Patton» da Cavalaria 7 iam atacar a P.I.D.E. tomei a iniciativa de bloquear a rua. Tínhamos o direito de nos defendermos. Fui à Praça do Chiado e trouxe um eléctrico da Carris para bloquear a linha. Com outro parado no fim da Vítor Cordon e um camião do lixo a bloquear a Travessa dos Teatros os tanques não entraram.
Aparece então uma companhia dos fuzileiros, com uma farda de combate esquisita. Deram-nos a entender que iam ocupar a D.G.S. Fui com o meu director, Silva Pais, e com o Alpoim Calvão dizer-lhes para se irem embora que se nós quiséssemos mandávamos-lhes umas granadas e uns tiros e podiam aleijar-se. E foram.
Como o Rádio Clube Português estava a desempenhar um papel fundamental no golpe, decidimos que seria bom calá-lo.
Aliás, por volta das onze da manhã desse dia 25, o Inspector-Adjunto Abílio Pires recebera um telefonema do major Begonha, a mando do general Viotti de Carvalho, chefe do Estado-Maior do Exército, inquirindo sobre a possibilidade da D.G.S. “calar” o Rádio Clube Português: Pires pôs a questão ao comandante Alpoim Calvão, que se encontrava no seu gabinete, e começou logo a tratar do assunto, com a anuência do Director-Geral.
Obtiveram-se os meios logísticos necessários para irmos ao Porto Alto, onde estavam localizados aqueles emissores e estoirá-los. Pinheiro de Azevedo, comandante da Força de Fuzileiros pôs à disposição de Calvão o indispensável morteiro.
Lá fomos até ao Arsenal, mas quando chegámos, o homem da chave desaparecera e não pudemos arrombar aquilo. Julgo que isto contribuiu bastante para a vitória daquilo.
À noite Azevedo apareceu ao lado de Spínola na Junta de Salvação Nacional.
Por altura do almoço, o major Silva Pais, recebeu um telefonema de António de Spínola. Nessa altura já havíamos tomado a decisão de resgatar Marcello Caetano do quartel do Carmo. Conduzi-lo-íamos para o Forte de S. Julião da Barra, em Oeiras, ou para Espanha onde poderia formar um Governo no exílio. Planeámos assim: Abílio Pires, acompanhado por Agostinho Tienza e Sílvio Mortágua, estacionariam na Rua do Carmo, em plena Baixa de Lisboa, junto ao elevador de Santa Justa.
Eu entraria no quartel do Carmo por uma porta lateral. Discretamente, conduziria Marcello por uma outra porta lateral até ao tabuleiro superior do elevador. Alcançaríamos depois a Rua do Carmo e o carro que nos transportaria. O carro era um Mercedes. O segundo carro era um Fiat, propriedade do Abílio Pires, que, se necessário fosse, transportaria M. Caetano porque o Mercedes podia dar nas vistas. Ser-me-ia fácil porque conhecia bem o quartel, estivera aí como tenente da G.N.R., e era pouco conhecido, porque estivera muito tempo em África.
Por volta das quatro da tarde, já com o Largo do Carmo com alguma gente, lá fomos.
Entrei, mas o Professor Marcello Caetano não quis sair. Disse-me que estava tudo tratado com o general Spínola. E que fôssemos às nossas vidas.