ULTRAMAR
ASPECTOS DA POLÍTICA ULTRAMARINA PORTUGUESA
Cristo

A subversão

aos

Tradução do terceiro capítulo do livro La Subversion, por Roger Mucchielli.

Psico-sociólogo, psicopedagogo, caracterólogo, professor agregado de filosofia e neuropsiquiatria, nascido em Orléansville, Argélia, em 1919, Mucchielli sintetiza, expõe, disseca, analisa a subversão, os seus objectivos e as técnicas dos seus agentes.

OPUS CITATUM
La SubversionRoger MucchielliC.L.C., 1976págs. 67 – 106

Características gerais da subversão


Se, como vimos, subversão significa inversão [renversement], a palavra teria uma identidade semântica com «revolução». E, de uma certa maneira, pode atribuir-se aos agentes de uma e outra a mesma intenção. Porém, em sentido estrito, a subversão distingue-se da revolução em três aspectos:

  • A revolução é o momento crítico final de um longo período de injustiças e exacções sofridas. A subversão pode ser organizada, como vimos, na ausência de quaisquer condições objectivas conducentes à revolta popular.

  • A revolução implica — na sua imagem comum — a virtude de uma nova ordem, de um novo sistema sócio-político destinado a subsitituir a ordem antiga. Tanto se não verifica na subversão, cujo objectivo é a destruição pura. Como tal, a subversão é negativa e não contém nenhum dos esperados elementos positivos da revolução.

  • A revolução associa-se — pelo seu próprio anti-reformismo — à ideia de violência no sentido mais forte de violências materiais (desordens, combates, manietações físicas, ferimentos, mortes, destruções diversas, sofrimentos físicos e morais…), em grande escala (por exemplo, à de uma nação inteira) e num período relativamente curto. Tal se não aplica à subversão, que aproveitará actos de violência limitada e terrorismo, decerto, e que utilisará, também e sobretudo, a violência verbal…; mas que é mais «fria» e calculada, estendendo-se ao longo de vários anos se necessário for, e desenvolvendo-se de forma insidiosa, ao abrigo do «tempo de paz».

Se constatamos hoje uma subversão revolucionária (e não há aqui qualquer pleonasmo), assim é porque a subversão como conjunto de técnicas se encontra ao serviço de uma guerra revolucionária, de uma vontade revolucionária.

Assim orientada por esta intenção, a acção subversiva é uma acção preparatória do momento decisivo da tomada do poder por uma minoria ínfima. A ser bem sucedida, a tomada de poder far-se-á sem oposição por um pequeno grupo que estará preparado para isso.

Trata-se, aqui, do próprio papel da subversão dentro do voluntarismo revolucionário. Distingamos bem duas fases, das quais a primeira (fase subversiva) é bastante longa, e a segunda (fase da tomada do poder) muito curta. A primeira será vã se não vier a segunda dar-lhe um sentido, concluindo-a. A segunda impossível, sem a primeira preparando-a. Ao longo da fase subversiva, as acções violentas dos pequenos grupos (espontâneas ou suscitadas e animadas pelos agentes subversivos) fazem parte da subversão na medida em que fornecem incidentes aproveitáveis. Na fase de tomada do poder, que se fará sem oposição e sem confrontos violentos com as forças governamentais ou partidos de oposição porque a subversão terá, precisamente, cumprido o seu papel, esses pequenos grupos deixam de ter razão de existência e devem, por fim, ser reduzidos ao silêncio ou integrados; pois o grupo minoritário que tome o poder não é necessariamente formado por aqueles que levem a cabo, efectivamente, as acções precedentes. Será antes, como é lógico, o grupo daqueles que organizaram e levaram a cabo a totalidade do processo.

Dado este papel central da subversão no desenrolar do conjunto, compreende-se que possamos hoje falar de subversão revolucionária. É desta perspectiva que a subversão se apresenta com objectivos e meios específicos.

I — A ACÇÃO SOBRE A OPINIÃO PÚBLICA

Os objectivos da subversão são triplos. A sua diferenciação não pode ser senão didáctica pois, de facto, eles apoiam-se e reforçam-se mutuamente. São eles:

  • Desmoralizar a nação visada e desintegrar os grupos que a compõem.
  • Desacreditar a autoridade; os seus defensores; os seus funcionários; os seus notáveis.
  • Neutralizar as massas para travar qualquer intervenção geral espontânea a favor da ordem estabelecida, chegado o momento escolhido para a tomada de poder não-violenta por uma pequena minoria.

Estes fins são acessíveis apenas através da utilização dos mass media; sem imprensa, sem rádio, sem televisão, a subversão é impotente; sem técnicos de psicologia social, como veremos ao estudar os métodos no capítulo seguinte, ela é incoerente. Fixemos agora os três objectivos:

Desmoralizar a nação visada e desintegrar os grupos que a compõem

Diz Reguert que (op. cit., p. 129), «o vencedor é aquele que pode e quer ainda combater quando o adversário deixa de o querer e o não pode mais». Von de Golz notou igualmente que «num combate, não se trata tanto de destruir os combatentes inimigos como de destruir a sua coragem.»

A desmoralização, é a dissolução da coragem, a queda da “tonificação” [tonus] mental que dá a fé nos valores do grupo nacional e a confiança no seu futuro.

A análise (hoje em dia muito adiantada pela psicoanálise social) dos factores do «moral», permite conhecer os factores da desmoralização. Citemos em particular:

  • a destruição dos valores pelos quais combate o inimigo; a “injecção” da dúvida;
  • a intoxicação acerca do valor de cada combatente inimigo, a “injecção” da dúvida dele próprio, a acompanhar a dúvida das suas crenças;
  • a culpabilização. «É necessário fazer», diz Ellul a propósito da propaganda (op. cit., p. 210) — e isto é aplicável à subversão — «com que o inimigo perca confiança na justiça da sua própria causa, na da sua pátria, do seu exército, do seu grupo. O homem que se sente culpado perde simultaneamente a sua eficácia e o sentido do seu combate. Convencer o homem que, senão ele, pelo menos aqueles que estão a seu lado cometem actos imorais, injustos, é levar a desintegração ao grupo ao qual pertence»;
  • a impressão dada ao inimigo da sua solidão e da reprovação sentida pela opinião pública a seu respeito, a fortiori da reprovação da opinião pública mundial;
  • o ridículo, o ilogismo, o derisório1;
  • a dissolução da confiança do adversário nos seus meios de ataque e defesa;
  • a impressão da eternização do combate;
  • a certeza de enfrentar um inimigo duro e seguro de vencer, decidido a tudo;
  • a impressão da inutilidade da luta.

Aplicando-se aos adversários por técnicas subtis, a subversão procura assim desmoralizá-los. Procura também dissociá-los, desintegrá-los. Dessa perspectiva, é uma arte da discórdia. Aqui, mais uma vez, a análise psicológica dos factores coesão e unidade dos grupos, permite deduzir os factores de dissociação e de discórdia, de forma a os injectar na nação ou nos grupos a destruir.

Desacreditar a autoridade, os seus defensores, e os seus notáveis da nação ou do grupo a destruir

A autoridade do Estado é esquematicamente fundada em parte sobre o consenso da nação que aquele encarna (ou pelo menos o da maioria), e em parte sobre um sistema de direitos que lhe são delegados pela Constituição e pelas leis (especialmente o direito de decisão), apoiados nas forças de manutenção da ordem (ou de repressão das desordens) e num sistema de sanções (código), em certas instituições-chave de onde sairão os futuros quadros da nação; enfim, sobre a respeitabilidade dos «notáveis» que assegurarão de uma ou outra forma o funcionamento da sociedade. A subversão atacará todas estas junturas [charnières].

A subversão, ao desconsiderar o poder aos olhos da opinião pública, isto é, da massa dos cidadãos, procura um abatimento da autoridade moral do Estado. Este abatimento de autoridade é por sua vez utilisado como prova da incapacidade dos governantes e como incitamento à desobediência cívica. Uma rede [filet] fina e densa, de desrespeito e desconfiança, paralisa ao mesmo tempo o poder central e a opinião pública.

Neutralizar as massas para travar qualquer intervenção geral espontânea a favor da ordem estabelecida

Eis-nos aqui perante o efeito mais insólito e mais original da subversão. Muito se tem falado, e fala-se ainda, da «maioria silenciosa», ou seja, da muito grande maioria dos cidadãos «trabalhados» pela subversão, e espantamo-nos com a sua passividade. Ela [a maioria] é a esperança mítica dos governos submetidos aos ataques subversivos.

Ora, a maioria silenciosa é uma criação da subversão. Um dos objectivos subversivos é, de facto, a sideração e inibição das massas. Se o leitor tem acompanhado até agora as concepções dos revolucionários voluntaristas, não pode não deduzir a «lógica» da neutralização da imensa maioria de cidadãos pela subversão: em oposição à concepção materialista e realista da revolução, a concepção voluntarista, como vimos, não necessita da revolta geral nem da participação activa do «povo». A revolução voluntarista, aquela que utiliza a subversão como apodrecimento da Autoridade, desconsideração do poder estabelecido, decomposição das forças de manutenção da sociedade a abater, não é, de todo, fundada sobre a mobilização das massas.

«Esperar que a população participe, por ela própria, na luta de libertação, é um mito que conduz ao “atentismo” mais estéril». (Paul Limoyne — pseudónimo — in La cognée, n.º 49, Montréal, Dezembro de 1965)

Esta nova empresa revolucionária não tem sequer necessidade, como tem a guerrilha tradicional, da simpatia popular:

«A força dos terroristas não reside na cumplicidade da população» (Paul Desbiens, in La Presse, Québec, Editorial d’Octobre 1970).

«O povo» a que os agentes subversivos fazem sempre referência, não passa de um mito que eles utilizam, um “justificativo” puramente verbal, um argumento de manipulação da opinião pública. A estratégia fundamental da subversão é obter a apatia popular, a inibição, a não-intervenção, o silêncio da grande maioria. É este o fenómeno que se produz diante dos nossos olhos e a que se chama, com razão, a maioria silenciosa. Espantamo-nos pelo seu silêncio e as almas ingénuas imaginam que poderá, um dia, recuperar vida e voz. Alguns apelam-lhe como quem exorta um paralítico a caminhar e a correr. Tais pessoas não se apercebem que a maioria silenciosa é uma conquista da subversão e que há uma relação directa entre o terrorismo e a maioria silenciosa. A tomada de poder será obra de um pequeno grupo, de uma ínfima minoria: a que sabe, justamente, o que quer e o que faz (e que é, desde logo, a única a sabê-lo). O importante é, assim, que ao momento da tomada do poder, não haja nenhuma intervenção contrária. A acção subversiva implica, consequentemente, a imposição do silêncio à maioria, silêncio que exprime a apatia e não a reprovação dos desordeiros (como se crê comummente).

Clarividentes homens políticos assim o notaram:

Tchakhotine escreve (op. cit. p. 411) a propósito da opinião pública alemã em Julho de 1932, na véspera do golpe de força de Hitler:

«O que se via agora por todo o lado depois do 20 de Julho era assaz lamentável: a depressão alastrava pelas organizações proletárias, toda a gente parecia paralisada (…). A depressão manifestava-se de forma tão intensa que se lhe observavam os efeitos psico-fisiológicos imediatos: as manifestações não passavam de uma sombra menor da força que ainda recentemente triunfava por todo o lado (…). O caos e o pânico reinavam em todas as organizações centrais (…), cada um procurava fazer por si (…), não mais se falava em projectos de acção, contentávamo-nos com trocar notícias, opiniões, hipóteses.»

Em 1971, certos governantes, menos iludidos que os outros sobre a maioria silenciosa, constatávam-no: Émilio Colombo, presidente do Conselho da República italiana, dizia, num discurso proferido no Capitólio de Roma por ocasião do 26º aniversário da “Libertação de Itália” (26 de Abril de 1971): «Atravessamos hoje um momento que não é fácil (…). O perigo é que, perante as nossas dificuldades, surja a indiferença ou a aversão à liberdade (…). A indiferença e a aversão à liberdade podem nascer face a uma opinião que é insensível às realidades sociais como face à que é insensível às exigências de uma ordem (…). Uma democracia que transverta o conservadorismo num falso progressismo, assim como uma democracia que transverta a desordem chamando-lhe progresso, é uma democracia que prepara o seu fim (…). Há uma fadiga incerta e confusa da democracia (…). Esta fatiga acabará por se exprimir numa apatia geral que convida aos jogos do aventureirismo.»

De que será feito este estado de espírito maioritário? Quais serão os traços constitutivos de uma opinião pública «madura» para os organizadores da subversão? A lista destas características assinala ao mesmo tempo os diversos objectivos convergentes da acção subversiva:

Sentimento de isolamento e de impotência dos partidos políticos capazes de se oporem ao golpe de Estado

Ao acentuar os desentendimentos dos partidos que constituem a maioria política, lucrando com a divergência das respectivas tomadas de posição ou da incoerência dessas tomadas de posição sucessivas, ao opô-los uns aos outros e ao mesmo tempo acusando-os de conluio com o poder estabelecido, a subversão explora a fundo o descrédito dos partido políticos tradicionais, minados, desde logo, do ponto de vista interno, pelas acções de dissociação levadas a cabo pelos agentes subversivos camuflados ou por bem-pensantes [belles âmes] mobilizados ao redor de certas teses de «cobertura» produzidas pela subversão.

Privatização e individualização dos cidadãos

Cada pessoa, sentido-se isolada e havendo perdido toda a confiança no Estado, nos seus meios, nos seus defensores, não se preocupa senão com os seus interesses pessoais [privés],(«privatização»). Isto leva-a a recusar envolver-se, expor-se, assim como, por um receio “retroactivo”, à negação dos seus envolvimentos anteriores, ao desejo de se redimir e de se acautelar através de uma «não-intervenção futura».

Assim, a indiferença e a apatia aparentes escondem uma decisão bem vincada de não-envolvimento. Esta atitude é reforçada e fixada pelo que se chama, desde Baschwitz, pânico mudo [panique muette], produto directo do terrorismo impune, metodicamente organizado pelos grupos de acção violenta.

Baschwitz criou em 1945 o conceito de «pânico mudo» para caracterizar a forma de medo colectivo gerada pelo terrorismo, em que os cidadãos não têm nenhuma esperança e não esperam nenhum socorro das autoridades estabelecidas.

Não se conhecia até aí, em psicologia social, senão o pânico: desencadeamento do instinto individual de conservação pelo medo colectivo, contagioso e mobilizador; realização de actos absurdos (destruição dos obstáculos na fuga, assassinato dos mais fracos, autodestruição cega) pela multidão tomada pela ansiedade causada pela percepção de morte iminente. Este «quadro» habitual do pânico exprimindo-se em cegas violências colectivas faz crer aos observadores da «maioria silenciosa» que esta, pela sua calma aparente, se encontra nos antípodas do pânico. Ora esta calma aparente esconde a inibição e a paralisia que caracterizam uma outra forma de pânico. O pânico mudo não tem expressão colectiva mobilizadora. É a expressão colectiva da justaposição compartimentada [ cloisonnée] das inseguranças individuais. Efectivamente, este pânico isola as pessoas, fenómeno excepcional e completamente característico. A conduta individual, que mantém as aparências da rotina, do sangue-frio e até da consciência reflectida e adaptada, é, na realidade, inteiramente dominada pelo evitar de qualquer manifestação pessoal e de toda a iniciativa, por medo a ser notado. «Neste estado», diz Tchakhotine em 1951, «podemos ver comissões ou assembleias tomarem decisões estupidificantes ou ignóbeis por pouco que sejam sugeridas por qualquer personagem aliada aos terroristas.» São da mesma ordem: a recusa de testemunhar, de apresentar queixa, de designar os seus agressores quando se é vítima, o abandono à sua sorte do amigo tratado ignominiosamente pelos terroristas…, o «fingir que nada vê» quando se passa por um grupo de terroristas “tratando” de uma vítima, mesmo se o grupo for pouco numeroso e forem cem a passar por ele. Todos estes comportamentos de pânico mudo são objecto de auto-justificações e racionalizações secundárias: diz-se «querer manter-se acima da briga», «não estar suficientemente informado para julgar», «que há bem e mal nestas coisas» e que «estes terroristas não têm todos intenção de fazer mal»… ou ainda «não vale a pena dramatizar»…

Assim, a maioria silenciosa, muda ou amuada, mantém-se e manter-se-á silenciosa porque é o resultado da neutralização activa do público, do povo real (por oposição ao «povo» mítico que reclamam os conspiradores), neutralização produzida pelos efeitos combinados do descrédito das autoridades e do pânico mudo criado e mantido pela violência dos pequenos grupos terroristas.2

Não podemos, então, senão sorrir quando ouvimos os dirigentes elaborar sobre a maioria silenciosa, ou melhor ainda, quando os ingénuos fundam associações do tipo «Apelo à maioria silenciosa».3

E os agentes subversivos não se enganam sobre o valor real desta grande mudez, o que lhe dá o ar descontraído, nascido da certeza de impunidade. «Quando se sequestra um executivo», escrevia Jean-Paul Sartre num jornal esquerdista em 1971, «é uma galhofa.»

II — SITUAÇÃO DOS AGENTES SUBVERSIVOS

O agente subversivo encontra-se numa posição confortável porque não vemos para quem «trabalharia». É um caso diferente do político profissional cuidadoso com as suas alianças, com o futuro, com os eventuais ataques contra a sua pessoa, com a opinião dos do seu partido. O agente subversivo está fora da propaganda política habitual na medida em que não procura especialmente recrutar ou converter a qualquer ideologia positiva. Não possui «clientela eleitoral» à qual se adaptar maquiavelicamente. Não é sequer comparável ao agitador tal qual o definiu Lenine, pois não tem qualquer relação com o propagandista encarregado de organizar a integração, ou seja, a unanimidade popular futura em torno das teorias e do programa de um novo Estado.

É uma espécie de agitador no estado puro, inquietando a opinião pública de maneira aparentemente desinteressada porquanto não desenvolve nenhuma ideia positiva.

Desta forma, o agente subversivo não pode tornar-se suspeito. Tem toda a aparência de boa fé e recolhe-se na sua dignidade ultrajada quando, por acaso, é acusado de ser um agente subversivo. Não é fácil desmascará-lo. Usa o seu direito de crítica contra o que estima serem injustiças e torpezas (e tantas há!) e aquele que lhe denunciar a manobra encontra-se automaticamente no campo da injustiça e da torpeza.

As violências dos grupos que estão encarregados de algumas acções directas são apresentadas como actos «desesperados» de pessoas «que não podem mais» e que não fazem, finalmente, senão devolver a violência que tanto tempo sobre eles se abateu… pessoas em estado de «legítima defesa», de qualquer forma.

As injustiças que o agente subversivo denuncia, as pressões que declara intoleráveis, os decretos que contesta, as trivialidades que transforma em assuntos de Estado, são colocadas no pelourinho do opróbrio público em nome da boa consciência e dos direitos universais da pessoa humana. E é isto que fornece tanto o conforto da sua situação como a eficácia da sua empresa.

Exploração dos direitos universais da pessoa humana e dos ideais da consciência moral comum

Habituámo-nos, desde há um século e meio, a considerar a «exploração do homem pelo homem» como a tara original do capitalismo. Não só entram em transe pré-revolucionário os livres-pensadores do século XX quando ouvem estas palavras, como cada vez mais grupos que se sentem «explorados», ou melhor ainda «alienados pelo sistema», são tentados pela manipulação desta fórmula mágica.

Apesar disto, existe outra forma exploração do homem pelo homem, mais subtil e desprezível: a exploração dos ideais e valores humanos universais, para a pura manipulação das pessoas.

Os agentes subversivos encontram os remoques[accents] mais contagiosos da indignação permanente para denunciar, desmascarar e desacreditar, apresentando-se como defensores da justiça, da paz, da liberdade e dos direitos sagrados da pessoa humana. A subversão partilha este aspecto com a propaganda política.

Mostrei noutra obra4 que são de três ordens as motivações manipuladas por toda a propaganda política:

1) os interesses e reivindicações de um pequeno grupo bem definido, sempre que se trata de fazer cair esse grupo ou os seus chefes na rede do manipulador, ou de mobilizar o grupo com vista a uma acção determinada; 2) os mitos e aspirações colectivas de um grande grupo sempre que o objectivo é “trabalhar” as grandes massas como por exemplo os grupos étnicos ou religiosos; 3) os ideais comuns a toda a humanidade e os valores universais quando se trata de atingir indiscriminadamente o maior número de pessoas, sendo a utilização destas motivações morais indispensável sempre que se “trabalha” a opinião pública mundial5.

A subversão manipula estes três géneros de motivações segundo o lugar e o momento da sua acção, mas sobretudo manipula a terceira na medida em que, como vimos, esta é panfletária.

Se o guia do perfeito publicitário é a lista das necessidades e desejos que constituem o «nível de motivações» de uma clientela bem determinada à partida (exemplo: as empregadas domésticas, os pedreiros, as mães jovens, os “snobs”), o guia do perfeito agente subversivos deve, pelo contrário, admitir a lista das aspirações humanas universais, porquanto são também motivações (e, por definição, as mais gerais). Assim sendo, este guia parece-me dever ser a Declaração universal dos direitos do Homem, assinada a 10 de Dezembro de 1948 por todos os Estados membros da O.N.U. A prova da universalidade destes valores (na História e à superfície da terra) foi feita recentemente pela publicação, sob os auspícios da UNESCO6, de uma recolha de textos de todas as épocas (do 3º milénio A.C. aos nossos dias) e de todos os países, mostrando de forma impressionante o parentesco das aspirações e valores supremos dos seres humanos. De forma que os direitos fundamentais, fundados sobre a reivindicação da dignidade da pessoa humana, e os valores sócio-morais universais (a segurança e a paz; a vida, o direito à vida, a melhores condições de existência, à felicidade; a liberdade; a justiça; a humanidade e o primado dos valores humanos contra todas as formas de desumanidade), serão as motivações invocadas pelos agentes subversivos e constituirão os pontos de vista permanentes nos quais se colocarão para denunciar, denegrir, desacreditar o poder estabelecido7.

N.B. Compreenda-se bem o que quero dizer. Pela minha parte, creio firmemente nestes valores e penso que a acção moral, social e política consiste na sua defesa e promoção. O que faço notar no texto precedente, é que os agentes subversivos são absolutamente indiferentes a estes valores por eles mesmos e não procuram senão utilizá-los para atingirem outros fins e outros valores: os seus.

Da mesma forma que o agente publicitário zomba pessoalmente das necessidades das empregadas domésticas, mas deve conhecê-las para as manipular nos seus textos publicitários, assim deve o agente subversivo considerar os direitos universais da pessoa e os valores supremos de paz, liberdade, de justiça e de humanidade como trampolins [ressorts] da alma humana, que pode e utiliza para atingir os seus fins específicos. É aqui que existe a exploração do homem pelo homem. Esta manipulação e esta mistificação que consiste em utilizar os valores supremos da existência humana como meios para atingir outros fins, ocultos e particulares, implica que os valores e direitos em questão não sejam considerados como supremos.

No que toca aos processos, como veremos abaixo, a astúcia consiste em silenciar (excepto, naturalmente, os verdadeiros fins) os dramas, injustiças e exacções de são culpados os aliados políticos, e a explorar intensamente o mais ínfimo fait divers se pode servir para atingir uns dos três objectivos reais e gerais da subversão.

O maniqueísmo moral e as suas vantagens

O maniqueísmo consiste em dividir o mundo, as pessoas e as teses, em dois campos ou dois clãs: o bem e o mal, os bons e os maus. Este processo tem a vantagem de corresponder a um velho arquétipo humano, simultaneamente religioso, primitivo e infantil, reduzindo tudo a duas formas contrárias, como o dia e a noite, a luz e as trevas, Deus e o diabo, a vida e a morte, a verdade e a mentira.

Um dos fins principais da acção subversiva é utilizar este maniqueísmo simplificador para atribuir ao poder estabelecido e aos seus eventuais defensores os valores negativos. O interesse da lista dos valores positivos supremos é mais uma vez aqui evidente, pois não somente o poder e os seus defensores deverão ser apresentados como o mal, a morte e mentira, como ficarão também associados aos seus nomes, às suas intenções, às suas acções, aos seus programas apenas as antíteses da lista dos direitos e valores universais. Eles representarão assim exclusivamente:

  • a insegurança e a guerra: a vontade de guerra…
  • a morte e todas as suas formas: a miséria, o medo, a angústia, o sofrimento, a destruição, a chacina…
  • a escravatura: a opressão, a tirania, o arbitrário
  • a injustiça: o desprezo dos direitos sagrados, a exploração do homem pelo homem, o abuso de poder, o abuso de confiança, o primado secreto dos interesses pessoais, a trapaça, a desigualdade…
  • a desumanidade: as torturas, o egoísmo, o sadismo, o desprezo do homem, a indiferença aos valores humanos…

Este método é muito fácil e muito cómodo: não esqueçamos que é «instintivamente» utilizado por qualquer um de nós, sempre que nos queremos inocentar acusando outrem, ou quando procuramos, num diálogo, fomentar a indignação do nosso interlocutor contra uma terceira pessoa ausente, apresentada como o «maior dos canalhas». O próprio Delmer explicou que é suficiente extrapolar as leis psicossociais do boato e do mexerico quando estes têm por efeito provocar contra terceiros ausentes o horror moral, a indignação, o desprezo, a rejeição social e a ruptura das relações.

Os valores universais mais «rentáveis» para a manipulação subversiva da opinião pública são incontestavelmente: «o humano» e os sentimentos humanitários, a Justiça e a Liberdade. Sabendo isto, o leitor prevenido poderá «descodificar» um certo número de mensagens, proclamações, editoriais, etc… e especialmente certas «informações» dos mass media cúmplices, voluntários ou involuntários, da subversão.

1) «O humano». É necessário encontrar traços comoventes para evocar a existência e os objectivos dos grupos terroristas cujo retrato se pretenda pintar de forma positiva, de tal forma que os reflexos normais de horror e de defesa sejam paralisados na opinião pública. A cultura da emotividade, da sensibilidade, da piedade, do amor ao próximo… está ao serviço dos assassinos. Os grupos subversivos serão sempre apresentados como «desesperados» e, se possível, como «vítimas». Combatem sempre por «um ideal humanitário» que nos «interpela» e nos emociona.

De maneira inversa, a repressão ou a defensiva que se exerçam contra os grupos terroristas ou subversivos serão sempre denunciadas como «intoleráveis» do ponto de vista humanitário.

Far-se-á então apelo «à consciência», «ao coração», dos cidadãos para reprovar qualquer início de auto-defesa.

Umas das melhores coisas inventadas neste sentido para os grupos terroristas foi a «violência humanitária»: basta que o produto dos assaltos à mão armada ou do roubo seja distribuído aos habitantes das barracas e tal terá sempre grande publicidade graças aos mass media.

A consciência das pessoas honestas vacila. A dúvida é destilada. A maioria silenciosa afunda-se na sua confusão. Os bem-pensantes são conquistados pela «generosidade dos ladrões».

Quando a acção subversiva é muito difícil de transformar em valor universal, quando suscita um movimento espontâneo de indignação, «vozes autorizadas» explicam que se trata de actos de «elementos descontrolados». Resta, evidentemente, o expediente de insinuar que se trata de uma «baixa provocação policial»; os verdadeiros agressores não podendo senão encontrar-se ao lado da Autoridade.

2) A Justiça. A transmutação da violência em Justiça foi também uma das mais belas conquistas dos agentes subversivos e dos seus profetas. Distinguiram-se nesta tarefa os maiores nomes da “inteligentsia” militante: Sartre, Marcuse, Foucault (do Collège de France), e seus discípulos. O princípio é o da definição da violência como contra-violência, como resposta justa a uma primeira violência (que vem da sociedade) mesmo se esta não for aparente. Esta reviravolta utiliza o esquema da legítima defesa e a imagem popular do Justiceiro das bandas desenhadas.

Sendo a agressão uma «justa reivindicação», é evidentemente o agredido que, recusando ceder, se torna culpado, e é ele o julgado, nos «jornais bem informados», por «uma intransigência intolerável que desencoraja os seus interlocutores».

3) A liberdade. A “palavra de ordem” dos agentes subversivos e dos seus aliados é exigir a liberdade sob todas as suas formas antisociais; é tomar com ternura emotiva a livre expressão dos instintos de destruição, de agressividade, de oposição. Toda a regra social (pois não há nenhuma sociedade sem regras; nenhum grupo com objectivos se pode alhear a estabelecer condutas e comportamentos sociais) será sistematicamente denunciada como um entrave à liberdade e como uma repressão (Lobrot, Gloton, Mendel, na linha de Wilhelm Reich e do “freudo-marxismo”). Toda a disciplina social deverá ser perseguida e associada, nos “slogans”, ao fascismo.

Assim, a liberdade não é definida senão como oposição à autoridade e à Sociedade. Por esta astúcia, todas as acções anti-sociais ficam cobertas pelo ideal de liberdade. «O uniforme militar despersonaliza-nos» gemem os soldados holandeses; «nós exigimos apenas a liberdade de informação nas empresas, universidades, administrações, casernas»… proclamam os líderes subversivos para aí executarem o seu trabalho de sabotagem interior.

Três vantagens suplementares (em relação ao conforto da posição de crítica) se tiram desta construção:

Auto-justificação e justificação das violências actuais ou eventuais

Se o poder e os seus esbirros são o mal, a morte, a mentira, a injustiça e a tirania…, aqueles que denunciem e os ataquem são, de uma penada, o bem, a vida, a verdade, a justiça e a liberdade do povo. Os militantes destes valores universais, aparados pelo travesti do justiceiro das bandas desenhadas, são transformados ipso facto em heróis da humanidade, e ouvem em permanência este canto exaltante: tu és justo,… o grupo ao qual pertences é justo,… a acção que te será exigida, qualquer que seja, é justa,… connosco participas na realização da paz, da justiça e da liberdade.

Assim, a acção final exigida, isto é, o assassínio, aparece sempre dentro da sua cápsula de valores, e torna-se legítima. O discurso aos grupos que vão partir para a acção violente assume sempre esta forma silogística: A nossa causa é justa, é a causa da humanidade, da paz, da liberdade, da verdade, etc…, tu lutas por esta causa,… logo tu és justo, aqueles que luta contra esta causa comete um crime contra a humanidade, logo é um criminoso de guerra.

«Os nossos têm-se batido até à morte porque servem uma causa justa e popular, porque sabem, porque sabemos todos, que somos detentores da verdade, da única verdade. É ela que nos torna invencíveis. E porque vós não tendes estas razões, sereis vencidos (…). Pertenceis a uma sociedade obsoleta e apodrecida (…). Sois obscurantistas, mercenários incapazes de dizer porque se batem.» (Propaganda Vietcong junto dos oficiais franceses prisioneiros durante a guerra da Indochina).

A forma e o fundamento desta declaração são excelentes e aplicáveis a toda a operação subversiva de descrédito do «inimigo», permitindo, entre outras coisas, legitimar a violência a seu respeito. Este mesmo texto, por exemplo, serviu de base à campanha de opinião organizada pelos maoístas em França em 1971 contra a polícia do Estado8 e em 1975 contra o Exército.

Desmoralização e pânico do adversário

O adversário encontra-se culpabilizado e, se apanhado na rede desta propaganda9, sente-se espoliado dos valores e transformado, apesar de si, em cúmplice de Satan ou em criminoso inconsciente. O apelo à sua consciência moral, multiplicado pela pressão do apelo à opinião pública nacional ou mundial, fá-lo-á colocar em dúvida os axiomas da sua conduta e, pelo menos, criar a inibição e dessolidarização, o que corresponde ao fim de neutralização individual e de dissociação dos grupos, já visto acima.

A ausência de contra-propaganda favorece estes efeitos. É evidente que a suspeita do começo de uma contra-propaganda (a que venha do Estado, por exemplo, ou dos chefes do grupo intoxicado) é também acolhida pelos agentes subversivos como «um inqualificável atentado ao direito sagrado da liberdade de consciência», ou como «uma intolerável pressão moral exercida sobre as pessoas»…

Aderência dos bem-pensantes

Não falamos aqui das aderências [ralliements] interessadas provenientes de personagens influentes que, tendo em vista a possível vitória dos grupos revolucionários e a fim de salvaguardar os seus interesses pessoais, subvencionam secretamente o inimigo de hoje pensando no aliado de amanhã. Fazem este imediatamente este cálculo sórdido com ardor, pois absolutamente nada arriscam da parte do poder, em regime democrático verdadeiro.

Falamos dos «bem-pensantes» que, subjugados pela invocação dos Valores eternos, intimamente convencidos (que é sinal do perfeito sucesso da campanha subversiva) da boa fé dos novos heróis trágicos da humanidade, aderem aos seus manifestos e às suas manifestações. Estranha presença destes lorpas (mais ou menos poetas e utópicos) no meio dos agitadores e dos agitados, que tomam por irmãos-idealistas e por construtores da Cidade de Deus.

Os agentes da subversão servem-se imediatamente deles como escudos em relação às autoridades, como pára-ventos para cobrir as suas manobras, ou como argumentos junto de outros ingénuos a convencer. A sua aderência nem sempre é imediata através da misteriosa sedução de uma revolta que jamais ousaram exprimir sozinhos. Para muitos outros bem-pensantes, as proclamações dos grupos subversivos «dão que pensar», e procuram tragicamente, «tudo o que aquilo exprime profundamente», tudo o que a violência contestatária «significa realmente».

Assim, num congresso de higiene mental, em Outubro de 1970, um bem-pensante, desejoso de descobrir «as causas objectivas da revolta de todas as juventudes»10, citava:

  • a ausência de moral política nos adultos;
  • a esclerose das universidades;
  • a incoerência do planeamento e a cobardia das políticas “subvencionistas”;
  • a discordância entre as aspirações suscitadas e a indigência dos meios postos à disposição dos jovens trabalhadores e empregados…

Analisando o que chama «mecanismos da contestação», o autor evoca, desde logo, a angústia, a ambivalência entre a reivindicação de autonomia e a procura de estabilidade, o conflito de gerações, o não-valor dos pais que proíbe a identificação com as imagens tradicionais, o prolongamento anormal da adolescência escolarizada, e, enfim, a crise de civilizações. E conclui o autor exigindo aos adultos que compreendam a «exigência codificada, mas exigência todavia, que é preciso descodificar sobretudo quando toma a forma de uma fuga para um imaginário ou para a revolução».

Notemos que isto é decerto justo para alguns jovens apanhados pelo contágio da subversão. Mas a psicanálise de uns quantos comparsas não apaga a acção subversiva na sua dimensão político-militar internacional.

Por mais brilhantes que sejam as suas inteligências e reputações, os bem-pensantes são inocentes perdidos no meio de uma guerra que não compreendem.

Contágio da subversão e reacções em cadeia

O conforto da posição subversiva, armado com estes valores-tabus e protegido por estes diversos escudos, vem também da qualidade contagiosa da atitude de revolta, tanto mais quanto a desmoralização e a fraqueza dos adversários assegura cada vez mais a impunidade.

Daniel Mornet (op. cit. p. 105) constatava já, a propósito da guerra dos panfletos no século XVIII e especialmente dos ataques subversivos dos Enciclopedistas contra a religião, que «neste combate, os espíritos aquecem; os adversários da religião sentem-se cada vez mais apoiados pela opinião pública, protegidos por ela contra castigos muito graves; eles endurecem-se e multiplicam-se. É às dezenas que se podem enumerar os escritos ímpios, já não obscuros mas largamente difundidos, já não comedidos e polidos mas injuriosos e ferozes. Obras dos chefes, (…) e obras de vinte discípulos ou chefes de bando.»

Já noutra obra evoquei11 todos os impuros que vêm logo engrossar as fileiras logo que ouvem falar de revolução. «Vamos, é a Revolução!» escrevia o próprio Jules Vallés12, «eis então o minuto esperado e aguardado desde a primeira crueldade do pai, desde a primeira bofetada do pedante, desde o primeiro dia passado sem pão, desde a primeira noite passada sem tecto! Eis a vingança do colégio, da miséria e de Dezembro!»

Estão todas presentes, naqueles em quem os psicanalistas descobrem o complexo de Édipo e a morte simbólica do pai, as expressões clássicas da analidade, o fetichismo do falo ou as aspirações regressivas ao éden intra-uterino… aqueles e aquelas em que os desejos sexuais se exacerbam e exibem na proporção da ruína dos tabus13.

Mas vêem também os amargurados, os desafortunados, os humilhados e os inferiorizados em busca de compensação, os perseguidores-perseguidos e outros paranóicos, e a massa de psicopatas em estado de agressividade crónica contra outros.

Seguem-se alegremente aqueles que são os primeiros visados na empresa de mobilização de grupos «recuperáveis»: os adolescentes em período de crise de oposição, contentes de gritar o seu ódio a todos os valores «gerontocráticos», entusiasmados pelo apelo ao desencadeamento da sua «espontaneidade» sem refreio…, e juntam-se-lhes muitos «adolescentes prolongados» que jamais aceitaram entrar na vida.

Todos os violentos trabalhando por conta própria «endurecem-se e multiplicam-se»; todos os ressentimentos pessoais contra um contramestre, um engenheiro, um chefe de escritório, um capataz, um professor, um administrador, um oficial, etc., fecundados pelo exemplo do desrespeito subversivo, se desencadeiam, na proporção directa da inibição que paralisa aqueles que deviam defendê-los. Os grupúsculos proliferam, cada um havendo um pequeno chefe que se toma por Babeuf.

Os agentes subversivos autênticos, os verdadeiros, os iniciadores-soldados do inimigo no território nacional, observam com o deleite zombeteiro [goguenarde] que lhes é habitual as reacções em cadeia que a sua ciência provocou. Não temem nenhuma concorrência, e todos estes novos grupos se tornam seus aliados, a quem oferecem protecção, reforços em caso de necessidade, e sempre a «cobertura ideológica» que é o derradeiro engodo porquanto todas as ideologias são admitidas desde que sejam exigências da destruição total.

Os objectivos são preservados: o poder apodrece, a autoridade enfraquece, a opinião pública é siderada, a anarquia aumenta, os clamores crescem, e eles, os autênticos artesãos da subversão, mergulham e baseiam-se numa agitação que doravante se desenvolve por si própria.

Seriam 15 ou 30 ao início, se se tomarem em consideração as recomendações de Régis Debray para fazer a guerra revolucionária com objectivos políticos precisos. Eis agora que 10, 20, 50 grupúsculos de todos os nomes e todas as " nuances" (cada um partilhando as ideis do seu pequeno chefe local) entram no combate, cometem violências, escarnecem e desacreditam as autoridades e seus representantes. Mesmo se fossem 200.000 em França, não representariam senão 1/250 da população total, um centésimo da população activa, mas estando a «maioria silenciosa» encerrada no silêncio da sua individualização, da sua inibição e do seu pânico mudo, um décimo deste número chega para cumprir a missão militar fundamental: abater o poder «inimigo» estabelecido neste país, desorganizar toda a resistência eventual dos grupos constituídos ou de Estado, neutralizar a opinião pública.

III — O PAPEL INDISPENSÁVEL DOS MASS MEDIA

É impossível compreender como se podem atingir objectivos desta envergadura com tão parcos «meios» materiais, financeiros e humanos, se se não apreender o papel dos meios de difusão em massa na estratégia geral.

Já se disse que não há subversão possível, no quadro e na perspectiva de uma revolução voluntarista14, sem a difusão dos mass media.

Os mass media são os únicos capazes de fabricar uma opinião pública, de criar uma psicose colectiva sem uma multidão reunida. É essa uma das características específicas dos nossos modernos meios de difusão de informação. Agem sobre cada indivíduo em particular e isoladamente, criando simultaneamente fenómenos colectivos.

É necessário considerar aqui, por um lado, o material que vai alimentar os meios de difusão em massa e, por outro, a exploração deste material pelos mass media.

O «material de base» vem de cinco fontes:

  • as acções violentas dos pequenos grupos de acção directa, de onde quer que venham (quer se trate de aliados normais ou inesperados: greves selvagens, atentados, manifestações e proclamações, acções diversas da «guerrilha» rural ou urbana), em território nacional;
  • as informações sobre as acções directas dos grupos de combate amigos em território estrangeiro;
  • os erros e faltas do adversário, a propaganda adversa, os feitos e gestos das autoridades, dos seus representantes e dos seus aliados;
  • os feitos e gestos das autoridades, representantes e aliados noutros Estados, quando esses Estados são igualmente visados pela subversão;
  • os “faits-divers” quotidianos e as informações ditas gerais, em território nacional e estrangeiro.

Os mass media (rádio, televisão, filmes, jornais de grande tiragem) devem dividir-se em duas tendências, aqueles que são os suportes, oficiais ou secretos, das acções subversivas, e os que o não são directamente. Trata-se de utilizar os dois conjuntos de mass media, de forma diferente evidentemente, como amplificadores e difusores do «material de base».

Analisaremos no próximo capítulo os numerosos modos possíveis de exploração dos materiais fornecidos. O essencial aqui é mostrar a sinergia funcional dos dois meios (o material, e o seu instrumento de exploração), sendo o objectivo manipular a opinião pública. Dito de outra forma, e é este o centro da nossa concepção de subversão: as diversas acções directas e violentas não constituem a ponta de lança de um movimento que, em se desenvolvendo e generalizando, representaria um movimento revolucionário verdadeiramente popular.

Tal visão é arcaica e ultrapassada. As acções directas servem apenas para alimentar a verdadeira operação «revolucionária» que é inteiramente fundada na subversão. Esta subversão das massas para as separar completamente do poder estabelecido desacreditado, para as tornar passivas e inibidas (aterrorizadas ou vagamente consentâneas, ou as duas) far-se-á através dos mass media porque os mass media são o instrumento moderno ideal de manipulação da opinião pública.

Esta concepção pode surpreender, e o leitor será levado a evocar casos contrários à ideia desenvolvida aqui, como o caso actual da Frente de Libertação da Palestina contra Israel. À primeira vista, este exemplo enferma a nossa tese no sentido em que a Frente é uma organização militar comprometida numa luta de morte contra o estado de Israel; os seus comandos fazem operações de guerra nas fronteiras, atacam os barcos e aviões de Israel, fazem incursões de sabotagem e de destruição no interior no território inimigo,… e tudo isto aparenta ser uma verdadeira guerra no terreno. Acrescentemos que a Frente é a expressão oficial de um «povo» (o povo palestiniano) reivindicando um território e considerando-se espoliado por um «ocupante estrangeiro». Assim, à primeira inspecção do problema, as operações militares dominam largamente e unicamente a cena, e a subversão pelos mass media não tem nenhum papel. Ora é fácil de mostrar como a subversão marca o passo às operações militares usando os mass media neste exemplo aparentemente desfavorável: o que a Frente procura, não é uma vitória militar impossível no terreno; procura antes criar uma opinião pública mundial desfavorável a Israel e a dar a esta mesma opinião pública uma certa «imagem» do movimento, de forma a que, em contrapartida, esta opinião pública aja como força de pressão obrigando Israel a capitular. Daí as operações espetaculares contra os aviões de linha estrangeiros, as acções de comandos terroristas em territórios europeus ou americanos, as acções de guerrilhas no terreno, os movimentos de simpatizantes suscitados em todos os países, as grandes «interviews» concedidas a todos os jornalistas, etc.

De igual forma, é absurdo crer que as guerrilhas da América do Sul são o início de uma revolta geral; não haverá revolta geral e os organizadores da revolução não necessitam de uma revolta generalizada. As guerrilhas existem para criar o clima a ser aproveitado pelos mass media. O fenómeno no seu estado puro foi desenvolvido e conseguido na Argélia.

Sem os mass media nenhum voluntarismo revolucionário terá a menor hipótese de sucesso. Constatemos também um extraordinário «apetite» de mass media por todos os pequenos grupos de acção directa.

O «apetite» de mass media

As provas deste apetite entre os grupos de acção são-nos indirectamente15 fornecidas todos os dias pela imprensa: é particularmente notável que entre as exigências de um grupo de acção que tenha um meio qualquer de pressão (ocupação de um local, detenção ou sequestro de uma personalidade ou reféns inocentes)16 figure sempre «a leitura na televisão duas ou três vezes seguidas» de uma proclamação ou de um comunicado, e também a publicação na imprensa de quaisquer comentários que se sigam a esta difusão.

Exemplos:

1) Le Monde de 5 de Março de 1971 anuncia: Ankara. Quatro militares americanos são raptados em Ankara. O seu veículo foi parado numa estrada perto de Golbachi a sul da capital turca, por um grupo armado e mascarado que os forçou a subir a uma camionete que logo se afastou. O condutor turco do veículo americano preveniu as autoridades. Um “tracto” assinado «Exército de libertação popular turco», chegado ao meio-dia à Radio Ankara indicava que os 4 militares seriam fuzilados se o governo americano não dispensasse 400.000 dólares antes das 16 horas de sexta-feira. Os cartões de identidade dos militares estavam agrafados ao “tracto”. Os autores do rapto põem como condição adicional a difusão pela rádio nacional do seu texto, de 4 páginas, atacando todas as instituições do país… Tudo se ignora em Ankara sobre este «Exército de libertação popular turco»… Tratar-se-á de uma nova acção de guerrilha urbana de estudantes esquerdistas.

2) A 10 de Outubro de 1970, a «Frente de libertação do Québec» rapta o ministro Pierre Laporte, cinco dias depois do rapto de J. Cross, diplomata britânico. Na carta de condições chegada à imprensa, os autores exigem, para a libertação do ministro, a difusão na rádio canadiana e em todos os jornais de um texto expondo os seus fins e estigmatizando as instituições do país.17

Motivados pelas grandes acções-modelo dos militantes das diversas «Frentes de libertação popular», grupos mais modestos mas animados pelas mesmas intenções têm presente no espírito o mesma preocupação com os mass media.

Le Monde, 26 de Março de 1971. Poitiers: os 11 grévistas de fome obtêm a publicação do seu comunicado na imprensa local (era o título). Os 11 estudantes que faziam greve de fome em Poitiers nas duas salas paroquiais das igrejas de Saint-Cyprien e Saint-Paul desde há 15 dias, cessaram o movimento a 25 de Março. Os grevistas obtiveram o que queriam dos directores de jornais: a publicação de um comunicado dando a sua versão dos incidentes ocorridos no campus a 25 de Fevereiro anterior. Por seu lado, a estação regional da O.R.T.F. citou várias passagens do comunicado no seu jornal de 25 de Março, precisando que aquele texto será publicado amanhã in extenso na imprensa local. A delegação dos grevistas de fome que foi recebida por duas vezes pelo director da estação nestes últimos dias assinalou a «honestidade da informação da O.R.T.F.»!

Para ilustrar ainda este apetite de imprensa, de rádio e televisão, dos agentes subversivos (apetite que está ligado à lógica interna da indispensável acção sobre a opinião pública),18 citemos três outros exemplos diversos:

  1. «Conferência de imprensa selvagem». Bordéus, 12 de Março de 1971. Uma vintena de militantes trotskistas ocuparam, quinta-feira à tarde, os salões do novo hotel de luxo Aquitania, para lá fazerem uma «conferência de imprensa». Os jornais referiram-se-lhe no dia seguinte como «conferência de imprensa selvagem».

  2. Tentativas de emissões piratas. Le Monde, 30 de Março de 1971. Roma. O assassinato de um empregado de banco em Génova e a prisão de dois homens que tinham acabado de o roubar antes de o matar trouxeram à polícia a chave de uma série de atentados cometidos desde há vários meses na região. Uma investigação judicial ao domicílio de um dos assassinos descobriu, para além de explosivos, vários postos-emissores de rádio ligados na largura de onda da televisão. Toda uma biblioteca de obras revolucionárias tratando de guerrilha urbana e do emprego de armas se encontrou na mesma residência. Este ataque de caixas bancários poderá ser obra de um grupo formado, segundo a imprensa, por maoistas ou «Tupamaros»; os emissores de rádio poderiam ter sido utilizados para emissões-piratas, de índole esquerdista, que interferiram várias vezes com o jornal televisivo da estação de Génova.

  3. Investigação da acção subversiva sobre o público por transformação do lugar do réu em tribuna no decorrer de um processo.19 Montréal (Le Monde, 16 de Março de 1971). Condenação a prisão perpétua de Paul Rose, assassino do ministro Pierre Laporte em Montréal. «Julgamos o acusado, por unanimidade, culpado de homicídio simples», declara o presidente do júri… Paul Rose escuta o veredicto com calma, e depois lança: «Viva o Québec livre, viva o poder do povo, nós venceremos».20 Conclui-se assim, após 45 dias de audiências movimentadas, eivadas de diversos incidentes, o processo daquele que é considerado como o chefe da célula da F.L.Q. responsável pelo rapto e morte de Pierre Laporte… 45 dias ao cabo dos quais 206 testemunhas foram ouvidas. Várias testemunhas foram condenadas por ultraje à magistratura, e o próprio réu, após numerosos confrontos [accrochages] com o juiz, foi por várias vezes expulso da sala de audiências.21

Assim, e uma quantidade de outras manifestações o confirmam («campanhas urbanas de esclarecimento», distribuição de panfletos nas ruas, solicitação de entrevistas, etc.), a utilização dos mass media é uma necessidade absoluta para a subversão. A «lógica» desta necessidade, deduzida desde logo da análise dos objectivos gerais, encontra-se confirmada pelos factos.

O leitor compreenderá agora o real objectivo do que podem parecer palhaçadas nalguns casos, como por exemplo a foto de quatro militares de máscara imprimida em todos os jornais de França, ao início do «caso dos comités de soldados», ou ainda o «filme de informação» projectado na televisão francesa em 1975 mostrando, numa decoração de «posto de comando camuflado», um pequeno grupo de «resistentes» autonomistas corsos, também eles de máscara e desenvolvendo, com a complacência dos jornalistas, o seu «desespero» e as suas «justas reivindicações» contra o «ocupante francês»… ou ainda o texto da proclamação de um grupo terrorista sul-americano imprimido em vários jornais (dos quais Le Monde) em 1975, sob a assinatura (e pagamento) da firma alemã Mercedes-Benz. Publicação que fazia parte das «exigências» do comando que havia raptado o representante local da Mercedes-Benz.

Todos os dias e por todo o lado, os jornalistas e repórteres televisivos são convidados e acham, como por magia, as «tocas» dos «guerrilheiros» onde os mínimos detalhes foram calculados para dar à «interview» o seu carácter espetacular destinado à opinião pública.

Os «atentados terroristas», dos quais se já apontou acima o fim unicamente publicitário, são logo «reivindicados» por cartas ou chamadas telefónicas para os jornais, rádios e televisões. O bom público descobre assim, em pânico mudo, «organizações» com nomes terríveis («Braço da Revolução», «Justiça do Povo», «Setembro Negro» ou «Outubro Vermelho»…) e crê que um vasto e duro movimento existe na sombra (quando na verdade se trata sempre de um grupúsculo de 3 ou 4 fanáticos) e constata a impotência das forças da ordem e do Estado. E todos os órgãos dos mass media em nome do dever de informação, se põem em acção e em transes para difundir a nova, martelando a opinião pública sempre no mesmo sentido, criando com todas as peças o clima desejado pela subversão.

Maneira de agir própria dos mass media

Vimos acima que os meios de difusão da informação podem dividir-se, do ponto de vista da subversão e num país livre, em duas categorias: os que são directamente subversivos e os outros.

Os que são directamente subversivos subdividem-se em vários tipos:

1.º Os jornais publicados pelos grupos de acção directa. Estes têm três objectivos:

  • Cuidar do estado de espírito dos próprios grupos e, como tal, ficam limitados à sua audiência directa que é mínima, pois estes grupos, por definição, são muito restritos.
  • Servir, em caso de necessidade, de meio de propaganda nos grupos que se pretende «recuperar», isto é, atrair a si. Assim, por exemplo, o jornal Rouge, distribuiu em França 18.000 exemplares de um número especial intitulado «Juventude rebelde» à saída dos liceus em Março de 1971, nas vésperas do «caso Guiot» (detenção de um estudante de liceu manifestante).
  • Fornecer aos órgãos de imprensa com influência na opinião pública «informações» a difundir. Assim, por exemplo, o Le Monde reproduziu no número de Abril de 1971 um artigo de Sartre, [primeiro publicado] no La cause du peuple, convidando os militantes à «acção directa» contra os jornalistas que ousassem publicar editoriais desfavoráveis às ideias revolucionárias. São da mesma ordem as «emissões-piratas» de propaganda directa, na rádio e televisão, e os filmes aos quais se chama «o cinema de opinião».22

2.º Os jornais e revistas de grande difusão que participam directa e intencionalmente na acção subversiva. Sendo, por vocação, «de grande difusão», estas publicações adoptam métodos mais subtis que os das precedentes. O seu papel é de importância capital para a subversão pois têm toda a aparência de boa fé e de objectividade, de forma a conservar e a expandir a audiência, portanto de moldar um sector importante da opinião pública.23 Entre os artigos e reportagens de cultura geral ou grande informação, a intoxicação subversiva é mais ou menos bem feita conforme os hebdomadários e a qualidade dos redactores.

Os seus métodos, nos artigos e resumos de intenção subversiva consistem no que se chama «informação tendenciosa».

São-no igualmente as emissões rádio ou de televisão oficiais confiadas a realizadores ou jornalistas que servem a subversão.

Lembremos sucintamente os processos da informação tendenciosa:24

A) Princípios gerais. A informação tendenciosa deve ser desde logo «credível», o que se garante seja pelas características pessoais do informador, afeiçoadas pela maneira como é apresentado e pela camuflagem dos seus móbiles… seja pela própria informação que deve ser moldada à maneira de pensar do grupo visado, apresentar «provas» concretas ( fotografias, cartas, gravações, etc), e evitando o escrúpulo a priori dos receptores, e, enfim, “preencher” uma necessidade de explicação lógica. O perigo nº 1 é o «efeito-boomerang» que se dá quando uma acentuação demasiado perceptível da intenção tendenciosa produz na audiência um efeito contrário ao que se lhe pretende «sugerir».

B) Alguns processos: 1) a notícia completamente falsa, para a verificação da qual o ouvinte ou leitor não tem meio de verificação. O desmentido pode, de qualquer maneira, ser fornecido posteriormente sem afectar o efeito inicial da notícia; 2) a selecção de informações, cada uma delas verdadeira, mas todas escolhidas com a mesma intenção; 3) a mistura de informações verificáveis e de informações subversivas; 4) o comentário «orientado» após uma informação verdadeira; 5) o enquadramento de uma informação verdadeira e concreta num contexto que lhe muda o sentido; 6) a informação casual [incidente] tendenciosa, transmitida sem importância, durante a transmissão de outra informação sobre um assunto diferente; 7) empolamento e distorção de uma informação verdadeira de forma a suscitar sentimentos fortes no leitor-ouvinte; 8) repartição desigual da duração e da qualidade das informações pró e contra, beneficiando o aspecto escolhido para orientar o leitor-ouvinte (ex.: larga publicidade a uma repressão, e mínima à provocação); 9) manipulação [habillage] de uma informação subversiva de um facto real; 10) informação sem conclusão [explícita] mas feita de tal forma que o leitor-ouvinte tire ele próprio a «conclusão que se impõe».

«As informações cuidadosamente escolhidas e perfeitamente apresentadas constituem a arma de propaganda subversiva mais poderosa que há» diz Sefton Delmer que conhecia bem a questão25.

3.º Os jornais, revistas e emissões de grande difusão que são «neutros». Estes são geralmente da segunda categoria mas com um grau de subtileza superior. Apresentando, com uma imparcialidade ostentatória, as informações de todas as fontes, não se coíbem de pôr no mesmo plano, por exemplo, a entrevista de um ministro responsável ou de um eleito, e a entrevista de um pequeno chefe de bando explicando os ideais humanitários universais que fornecem um sentido à sua acção selvagem, ou ainda o texto de uma sentença de tribunal e o de um panfleto distribuído à saída.

A «parte igual» consagrada às «diversas tendências de opinião», esconde discretamente que tal tendência representa 1 em 1000, e que aqueloutra representa 95% dos cidadãos.

Os «bem-pensantes» de que falámos acima encontram um acolhimento caloroso nestes jornais e emissões.

Outro objectivo não-negligenciável é que estes jornais fornecem a ocasião dos grupos revolucionários de se fazerem conhecer e reconhecer.

4.º Os jornais, revistas e emissões de difusão que são «contra» os empreendimentos revolucionários. Naturalmente, existem todos os graus de oposição, mas deixaremos de lado as publicações claramente marcadas pelo militantismo extremista oposto. Estas são e serão objecto de «acções directas» (atentados à bomba, ataques pessoais físicos a pessoas ligadas e a seus domicílios) da parte de grupos revolucionários.

Falemos dos jornais que, exprimindo abertamente os sentimentos íntimos do seu público, se indignam contra as iniciativas sediciosas e subversivas e as estigmatizam. Aqui produz-se um fenómeno que Tchakhotine havia já à época reconhecido e analisado26: para demonstrar a gravidade das diversas acções subversivas ou terroristas, estes jornais dão-lhes largo espaço, assinalam-nas todas, comentam-nas com horror e indignação, e protestam energicamente contra a carência, a fraqueza, mesmo a cumplicidade, das autoridades que deviam reprimi-las.

Ora, em o fazendo, provocam nos leitores um efeito imprevisto, a saber, a dupla certeza que, por um lado, os grupos de guerrilha ou acção directa têm um poder irredutível, que não recuam perante nada e, por outro, que as «forças da ordem» e as autoridades são fracas e impotentes. Estas duas «imagens» que se implantam e se agravam na proporção da insistência do jornalista são precisamente aquelas que os agentes subversivos procuram fazer acreditar.

Um exemplo menor mas significativo é aqui suficiente. No seu número 1801 de Junho de 1971, o semanário moderado mas anti-esquerdista Valeurs actuelles, publica numa grande página, ilustrada com duas fotografias, um artigo intitulado «Os polícias esquerdistas de Grenoble», onde se lê, entre outras coisas:

«Grenoble vive num clima de guerra civil (…). O campus, onde os revolucionários esquerdistas se protegem detrás de uma concessão real dada em 1290, tornou-se um Estado dentro de um Estado. Em Grenoble, o prefeito, a polícia, capitularam perante a violência (…). A 2 de Junho, os «polícias» do Secours Rouge procedem em plena cidade a duas detenções! (…) Uma hora depois, a secção de Grenoble do Secours Rouge difunde um comunicado»… Uma das duas fotografias publicadas representa um cartaz esquerdista com as quatro fotografias de MM. Ceccaldi, Lenoir, Tomasini e Soustelle, cartaz esse intitulado «Estes homens são perigosos. Detenham-nos» e contendo um texto que é um apelo pouco disfarçado à violência e ao assassínio.

No seu número 1802 de Junho de 1971, o mesmo semanário, a propósito das pilhagens de 5 de Junho no Bairro Latino, termina assim um artigo de uma página ilustrado com duas fotografias (uma das quais representa os «grevistas de fome» instalados em colchões no hall da mairie de Grenoble): «a existência de um estado-maior terrorista não pode mais pôr-se em dúvida. Uma vez que, na noite de 7 para 8 de Junho, dois atentados absolutamente idênticos tiveram lugar contra cafés em La Courneuve e em Saint-Étienne, separados por 400 quilómetros de distância, revela que o mesmo grupo pode a partir de agora operar em todo o território.»

Compreende-se facilmente o perigo destas apresentações, que acreditam as imagens indutoras do descrédito do Poder e do poder dos grupos revolucionários, produzindo o efeito inverso daquele que queria o jornalista, e suscitando no inconsciente dos leitores o pânico mudo e a inibição — objectivos destes grupos.

Assim, fazendo acções espetaculares (e é isso o essencial), os pequenos grupos de acção violenta não têm mais que deixar andar os mass media para que todas as categorias da opinião pública sejam informadas, como eles pretendem e da forma que pretendem. A sua propaganda faz-se com um mínimo de militantes (são suficientes, por exemplo, quatro indivíduos que se concertem, para produzir os dois atentados simultâneos de La Courneuve e Saint-Étienne; igualmente, bastam 300 estudantes, dos 300.000 de Grenoble, para fazer crer que a cidade está «nas mãos dos terroristas»), e isto sem esforço especial (é verdade que é preciso «pensar» as acções tendo em conta os objectivos psicológicos e ter alguns agentes subversivos bem posicionados no aparelho universitário)… uma vez que a enorme máquina dos mass media se agita pela sua organização propriamente dita. A opinião pública nacional vacila e tombará um dia no pânico mudo, na inibição e na desconfiança das autoridades[^81].

A opinião pública mundial atinge-se da mesma forma. Manifestações «espontâneas» de solidariedade com tal ou tal acção revolucionária «rebentam» a milhares de quilómetros umas das outras, e todos os jornais do mundo as noticiam com fotografias, entrevistas dos organizadores, publicações das proclamações, criando e intensificando o «clima» psicológico que se trata de fabricar. Enquanto isto, interrompendo por um momento o riso à gargalhada de todos estes sucessos com a sua dúzia de comparsas, tal agente subversivo declara à televisão do Estado, com a gravidade do pensador (provocando os assentimentos com a cabeça sugestivos do seu entrevistador oficial): «Estamos a entrar, parece-me, num período revolucionário.»


Bibliografia:

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LENINE, Agitation et propagande (paru en français en 1947)

D. MORNET, Les origines intellectuelles de la révolution française, Armand Colin, 1933, 6ºéd., 1967

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Revue militaire d’information, nº spécial 1957, La guérre révolutionaire

S. TCHAKHOTINE, Le viol des foules par la propagande politique, N.R.F., 1952


  1. Assim, por exemplo «para impôr a sua concepção de paz, o presidente Nixon é obrigado a prolongar a guerra», dizia o jornal Le Monde num editorial de Março de 1971.

  2. Por aqui se vê claramente o significado e alcance deste «terrorismo». Não tem nada que ver com o terror gerado, por exemplo, pelas execuções e exterminações selvagens de aldeias inteiras pelos alemães na França ocupada, ou pelos bombardeamentos maciços das cidades alemãs pelos Aliados. É simultaneamente muito restrito e muito «psicológico». O seu papel, efectivamente, não é «directo». Deve ser retransmitido e ampliado pelos mass media.

  3. Uma associação com este título foi criada em França em Fevereiro de 1970 por um professor da Universidade de Paris «para que se não confunda a grande maioria dos jovens que querem trabalhar, e uma minoria de agitadores e de aprendizes revolucionários»… «É vão e ilusório, diz um comunicado do presidente desta associação fantasma, querer assegurar a ordem na rua como nas salas de aula se se deixa ensinar as ideias de desordem e de subversão que a maioria do país reprova.» (sic)

  4. Cf. R. Mucchielli, Psychologie de la publicité et de la propagande co-editada pelas Éditions E.S.F., Éditions E.M.E. e as Librairies Techniques, Paris, 1970

  5. ver abaixo

  6. Organização das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura. Esta publicação foi feita por ocasião do 20º aniversário da Declaração, sob o título «O direito de ser um homem».

  7. Tal corresponde, palavra por palavra, às recomendações de P.L. Courier na sua técnica do panfleto político. Cf. p. 19.

  8. Cf. abaixo, p. 114

  9. Veremos que dificilmente lhe escapará, assim exista o duplo sistema de pressão que se abata sobre ele: o dos mass media e os das violências directas.

  10. Este plural, implicando a extensão a todos os jovens, é em si mesmo o sinal do sucesso da subversão. Diz-se comummente «os estudantes», (ora mesmo em Maio de 1968 havia 5 a 6000 nas ruas de Paris, dos 140.000 inscritos). Fala-se também em «assembleias gerais» com 300 estudantes de uma faculdade de 6000 ou 10.000 inscritos.

  11. Le mythe de la cité ideale, P.U.F., 1960, part. Livro I, cap. 1 «La révolte», e livro III, cap. 2, «Échec de la réduction psychologique du mythe».

  12. Em L’insurgé, 1885

  13. A análise completa dos complexos e germes nevróticos dos contestatários foi feita por André Stéphane em L’univers contestationnaire.

  14. Quer isto dizer, lembremo-lo, na ausência das condições históricas ou económicas de uma revolta geral da maioria da nação.

  15. Digo indirectamente porque não faço aqui alusão às acções espectaculares e simultâneas que têm por objectivo essencial provocar directamente a sua difusão pela imprensa e de agir sobre o público através desta divulgação para obter um determinado efeito.

  16. A tal ponto que os meios de pressão são investigados, com antecedência, para este fim.

  17. Sabe-se que o diplomata J. Cross foi «libertado» algum tempo depois, tendo o governo aceite as exigências dos sequestradores (libertação de presos políticos amigos que se acolheriam a Cuba ou Argélia, e difusão oficial de um manifesto da F.L.Q. pela imprensa, rádio e televisão). Pierre Laporte foi assassinado a 17 de Outubro, não tendo sido, desta vez, aceite o ultimato da F.L.Q.

  18. Há tendência em crer que este apetite pelos mass media é uma necessidade de auto-publicidade. O que não é falso na medida em que, como vimos a propósito do caso de Março de 1971 em Ankara, a F.L.P. não era conhecida previamente, e a sua existência é revelada nesta ocasião. Mas esta «publicidade» é-lhes feita automaticamente pela imprensa e rádio, logo em dando conta do rapto. É necessário portanto ver o significado suplementar da exigência: ela demonstra audácia, determinação e, pelo próprio texto, inicia a acção dupla de descrédito da autoridade (já implicitamente desacreditada pela aceitação do ultimato dos terroristas) e de neutralização-inibição da população.

  19. Dentre as provas mais convincentes desta táctica, citemos (com Ellul, op. cit. p. 25) o processo que, à data, serviu de forma notável a propaganda da insubmissão e ajudou vigorosamente a Frente de libertação nacional argelina.

  20. Seria um erro crer que Rose e os seus amigos se interessavam pela «independência» do Québec mais do que a Frente de libertação turca se interessa pela «independência» da Turquia. Trata-se de implantações nacionais de agentes da revolução internacional.

  21. Todos os detalhes destes «ultrajes» e proclamações feitas pelo réu foram, naturalmente, relatados pela imprensa canadiana, o que era o objectivo destes incidentes porquanto era necessário influenciar a opinião pública.

  22. Os grupos de cineastas «independentes» escolheram o filme como meio de acção, como em França o CRP (Cineastas revolucionários proletários), o grupo Dynadia, o colectivo Dziga-Vertov (maoista), o grupo Sion.

  23. A lei psicológica aqui aplicada é esta: «um texto violento, chocante, leva a menos participação e convicção que um texto mais “informativo”, mais razoável… A reacção favorável do leitor ou ouvinte é tanto mais forte quanto a mensagem de propaganda é mais racional e menos violenta.» (Ellul, op. cit. p.100).

  24. Cf. R. Mucchielli, Opinions et changement d’opinion, E.S.F. 1970, particularmente os cap. 2 e 5.

  25. Sefton Delmer, op. cit. p. 111

  26. «Os métodos clássicos estão em contradição evidente com os dados científicos. A sua propaganda toma normalmente formas sentidas [attristées]: ela queixa-se, ela acusa o adversário de atrocidades, de espírito de agressão, faz ressair, por outras palavras, a sua audácia e a sua força. É uma má técnica pois presta assim, sem se aperceber, um serviço à propaganda adversa. É o princípio que denominaremos intimidação ao reverso». (Tchakhotine, op. cit., p. 286)

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